Entrevistas

Rebeldes cubanos

Por Andrew St. George  
 
ST. GEORGE: Dr. Castro, você tem sido dado por morto muitas vezes, mas vê-se vigoroso. Durante catorze meses tem estado combatendo nas montanhas contra o Exército de Cuba que possui cerca de trinta mil homens e armas modernas.  O quê tem conseguido até agora?  
                              
CASTRO: Em dezembro de 1956 éramos doze homens nas montanhas.  Agora, com mil efetivos, temos o controle sobre uma zona liberada com cinquenta habitantes.  Nosso exército se mantém pequeno de tamanho, sempre em movimento e combativo; por cada voluntário que aceitamos cinquenta são rejeitados.  Nossos médicos, que oferecem seus serviços gratuitamente, igual que nossos soldados,  dão a essas pessoas o cuidado médico que nunca antes tiveram.  Sempre que nos resulta possível também instalamos salas de aulas nas zonas ocupadas para ensinar às crianças as primeiras.
 
O mais importante é que neste ano nosso movimento se ganhou o respeito e o afeto do povo cubano que esteve submerso na apatia política durante muito tempo. Estão se rebelando perante as crescentes demonstrações de terrorismo e corrupção do regime, e os assassinatos e atrocidades que são cometidos abertamente.  Há pouco, quarenta e sete camponeses dos arredores foram agrupados e assassinados a tiros, e sua morte foi anunciada como sendo de “rebeldes” mortos em combate. Essas são apenas as mortes que se informam oficialmente.
 
O ditador tem utilizado contra nós todo o tipo de estratégia, desde ataques e bombardeamentos aéreos, e assaltos de infantaria, até bombardeamentos desde o mar. Grupos de assassinos se infiltram continuadamente em nossas linhas com o propósito de me assassinar. Contudo, todas essas táticas têm fracassado. 

Agora Batista diz que nos vai matar de fome, rodeando a Serra Maestra com tropas e impedindo que nos cheguem fornecimentos de alimentos e medicamentos. Existem rumores de que também nos bombardeará com gás mostarda. Isto é um assunto perigoso porque a base naval dos Estados Unidos em Guantánamo fica perto.
 
ST. GEORGE: Você tem dito que vai queimar todos os canaviais de Cuba. A vida econômica da ilha depende deles.  O quê você ganharia com isso?
 
CASTRO: Nossa intenção é queimar até a última cana, incluída a da grande fazenda canavieira da minha própria família cá na província de Oriente. É uma medida dura, mas é um ato de guerra legítimo. Com os impostos procedentes do açúcar, Batista compra bombas e armas, e paga o seu exército que agora se tem duplicado. Suas baionetas são as únicas que o mantêm no poder agora. Já uma vez os cubanos queimaram a cana e arrasaram seus próprios povoados com o objetivo de arrebatar-lhe a liberdade a Espanha. Durante a revolução em seu país, os colonos americanos não lançaram o chá ao Porto de Boston como ação de legítima defesa?  
               
ST. GEORGE: O quê querem seus rebeldes, para além de  derrocar Batista? E, o quê me pode dizer das informações no sentido de que você nacionalizará todos os investimentos estrangeiros que existem em Cuba?  
 
CASTRO: Primeiro temos que derrocar a ditadura, que nos foi imposta pelo golpe militar em 1952 quando Batista se apercebeu de que perderia em umas eleições livres. Depois, estabeleceremos um governo provisório chefiado por pessoas eleitas por aproximadamente sessenta órgãos cívicos cubanos, como os Leões, os Rotários, grupos de advogados e médicos, organizações religiosas. No fim de um ano, este regime interino celebrará umas eleições verdadeiramente honestas. Em um manifesto emitido no mês de julho passado pedíamos que o governo provisório colocasse logo em liberdade todos os presos políticos, restaurasse a liberdade de imprensa e restituísse os direitos constitucionais.
 
Devemos chegar a eliminar de raiz a terrível corrupção que tem minado Cuba já lá vai muito tempo; estabelecer um corpo de servidores públicos com salários adequados que fique fora do alcance dos políticos e do nepotismo; combater o analfabetismo, que alcança até 49 por cento nas zonas rurais; acelerar a industrialização criando assim novos empregos. E resulta que este pequeno país de seis milhões de habitantes, um milhão trabalha apenas quatro meses no ano, em uma antiquada economia de monocultura.  
                 
Nosso Movimento 26 de Julho nunca tem chamado a nacionalizar os investimentos estrangeiros, embora quando eu andava na casa dos vinte e tais anos de idade advoguei pessoalmente a favor de que as empresas de serviços públicos fossem de propriedade pública. A nacionalização nunca poderá ser mais benéfica do que um investimento privado apropriado, ora nacional ora estrangeiro, destinado a diversificar nossa economia. Sei que para muitos homens de negócios uma revolução soa a alguma coisa parecida a um medicamente azedo. Porém, após a primeira impressão a verão como uma benção: já não haverão mais larápios cobradores de impostos, não mais chefes militares que pilhem, nem servidores sedentos de coimas que lhes tirem até o último cêntimo. A amostra será uma revolução tanto moral quanto política.
 
ST. GEORGE: Postular-se-á para presidente? E, já tem pensado na possibilidade de negociar um arranjo com Batista, que tem prometido que não se postulará nas próximas eleições presidenciais?  
 
CASTRO: Em virtude da nossa Constituição, sou jovem demais para ser candidato. No que se refere a Batista, ao presidente Roosevelt lhe passou pela cabeça chegar a um arranjo com Hitler justo antes do desembarque em Normandia?  
               
ST. GEORGE: Seu movimento tem sido acusado de ter ideias comunistas. O quê há de verdade nisso?  
 
CASTRO: Isso é absolutamente falso. Todos os jornalistas dos Estados Unidos que chegaram até aqui correndo um grande risco pessoal –Herbert Matthews do New York Times, dois repórteres de CBS e inclusive você– têm dito que isso é falso. Nosso apoio em Cuba procede de todas as classes da sociedade. A classe média está fortemente unida em seu apoio a nosso movimento. Inclusive temos muitos simpatizantes que têm dinheiro. Os comerciantes, os executivos industriais, os jovens, os trabalhadores estão fartos do gangsterismo que impera em Cuba.  De fato, como um jornalista seu, John Gunther, reportou uma vez, os comunistas cubanos nunca se opuseram a Batista, com quem têm parecido sentir uma afinidade mais estreita.  
 
ST. GEORGE: O quê você espera dos americanos?  
 
CASTRO: A opinião pública do seu país deveria conhecer mais sobre os movimentos democráticos e nacionalistas na América Latina. Por que temem libertar os povos, ora seja o húngaro ora o cubano?
   
Por que dar por sentado que ditadores anacrônicos são os melhores guardiões dos nossos direitos, e são para vocês seus melhores aliados? E que diferença existe entre a ditadura de uma casta militar, como a de Batista, e as ditaduras comunista ou fascista que vocês dizem aborrecer? Para qualquer norte-americano seria absurdo e indignante que um chefe do exército ou um chefe de polícia depusesse ou se desfizesse do governador de um estado e se declarasse pessoalmente governador. Quem o reconheceria como tal? Não obstante, isso acontece com demasiada frequência na América Latina. Ao facilitarem armas a esses usurpadores do poder –os homens da tristemente célebre “internacional dos sabres", tiranos como Pérez Jiménez da Venezuela, o exiliado Rojas Pinilla da Colômbia, Trujillo da República Dominicana– vocês estão matando o espírito democrático da América Latina. Vocês acham que seus tanques, seus aviões, as armas que vocês enviam dos Estados Unidos a Batista de boa fé são utilizadas em defesa do hemisfério? Ele as utiliza para atemorizar seu povo indefeso. Como ele poderia contribuir à “defesa hemisférica”? Não tem conseguido dobrar-nos nem sequer quando éramos apenas doze homens!                     

Acredito firmemente que as nações da América Latina podem conseguir a estabilidade política sob formas de governo representativas, como têm outras nações. Primeiro precisamos atingir o progresso material para elevar os baixos níveis de vida; precisamos de um clima de liberdade em que possamos fomentar hábitos democráticos. Isto não é possível consegui-lo nunca sob uma tirania.  
 
Os esforços envidados em muitos países latino-americanos por ter um governo próprio distam de serem perfeitos; sei disso. Mas podemos curar-nos desses males –a não ser que intervenham ditadores e estrangulem esta evolução política natural, e recebam ajuda e reconhecimento de outros países. Reitero-lhe: dando armas para Batista, na realidade vocês estão fazendo a guerra ao povo cubano.   
      

 

Lugar: 

Sierra Maestra, Santiago de Cuba

Fecha: 

04/02/1958