Discursos e Intervenções

Discurso pronunciado pelo Comandante em Chefe Fidel Castro Ruz, como conclusão das reuniões com os intelectuais cubanos, efectuadas na Biblioteca Nacional, em 16, 23 e 30 de Junho de 1961

Data: 

30/06/1961

Companheiras e companheiros:

Após três sessões em que se discutiu esse problema, em que se colocaram muitas coisas interessantes, em que muitas delas foram discutidas, ainda que outras tenham ficado sem resposta – e acontece que materialmente seria impossível abordar todas as coisas que foram colocadas –, tocou-nos, na nossa vez, no nosso turno, não como a pessoa mais autorizada para falar sobre essa matéria, mas, por se tratar de uma reunião entre vocês e nós, pela necessidade de que também expressemos aqui alguns pontos de vista.

Tínhamos muito interesse nestas discussões. Creio que o demonstramos, com isso que chamam de "uma grande paciência" [Risos]. E, na realidade, não foi preciso um esforço heróico, porque, para nós, foi uma discussão instrutiva e, sinceramente, foi também amena.

É claro que, neste tipo de discussão, da qual nós também fazemos parte, os homens do governo – ou, pelo menos, particularmente neste caso, eu – não estamos na melhor posição para discutir as questões em que vocês se especializaram. Porque o fato de sermos homens de governo e agentes desta Revolução não significa que estejamos obrigados… talvez estejamos obrigados, mas na realidade não quer dizer que tenhamos de ser especialistas em todas as matérias. É possível que, se tivéssemos levado muitos dos companheiros que falaram aqui a uma reunião do Conselho de Ministros, para discutir os problemas com que estamos mais familiarizados, eles se vissem em uma situação similar à nossa hoje.

Nós somos agentes desta Revolução, da revolução económico-social que está acontecendo em Cuba. Por sua vez, esta revolução económico-social tem inevitavelmente de produzir também uma revolução cultural no nosso país.

De nossa parte, tratamos de fazer algo. Talvez, nos primeiros momentos da Revolução, houvesse outros problemas mais urgentes que atender. Poderíamos fazer também uma autocrítica, afirmando que deixamos um pouco de lado a discussão de uma questão tão importante como essa.

Não significa que a tenhamos esquecido totalmente. Esta discussão – que o incidente a que reiteradamente se fez referência aqui talvez tenha contribuído para acelerar – já estava na mente do governo. Fazia meses que tínhamos o propósito de convocar uma reunião como esta, para analisar o problema cultural. Os acontecimentos que foram sucedendo – e sobretudo os últimos acontecimentos – foram a causa de não ter sido feita anteriormente. Entretanto o governo revolucionário foi tomando algumas medidas que expressavam a nossa preocupação com esse problema.

Alguma coisa já foi feita, e vários companheiros no governo, em mais de uma ocasião, insistiram na questão. Para começar, pode-se dizer que a Revolução em si mesma já trouxe algumas mudanças no ambiente cultural: as condições dos artistas mudaram.

Eu penso que aqui se insistiu um pouco em alguns aspectos pessimistas. Penso que houve aqui uma preocupação que vai além de qualquer justificação real sobre esse problema. Na realidade, quase não se falou das mudanças que ocorreram em relação ao ambiente e às condições actuais dos artistas e dos escritores.

Comparando com o passado, é inquestionável que os artistas e escritores cubanos não podem sentir-se como no passado, e que as condições do passado em nosso país eram verdadeiramente deprimentes, para os artistas e escritores.

Se a Revolução começou trazendo em si mesma uma mudança profunda no ambiente e nas condições, por que recear que a Revolução que nos trouxe essas novas condições para trabalhar, possa eliminar essas condições? Por que recear que a Revolução vá acabar precisamente com essas condiciones que ela trouxe consigo?

É verdade que aqui está sendo discutido um problema que não é simples. É verdade que todos nós temos o dever de analisá-lo cuidadosamente. Isso é uma obrigação, tanto de vocês como nossa.

Não é um problema simples, visto que é um problema que foi colocado muitas vezes e foi colocado em todas as revoluções. É uma meada – poderíamos dizer – bastante embaraçada, e não é fácil desembaraçar essa meada. É um problema que nós também não vamos resolver com facilidade.

Os diversos companheiros expressaram aqui inúmeros pontos de vista e os expressaram, cada um, com os seus argumentos.

No primeiro dia havia um pouco de temor de entrar no tema, e por isso foi necessário que nós pedíssemos aos companheiros que abordassem o tema, que aqui cada um explicasse os seus temores, que aqui cada um dissesse o que o inquietava.

No fundo, se não nos enganamos, o problema fundamental que flutuava aqui no ambiente era o problema da liberdade para a criação artística. Quando diversos escritores, e não só escritores literários, mas principalmente escritores políticos, visitaram o nosso país, também abordaram essa questão, mais de uma vez. É verdade que esse tema foi discutido em todos os países onde ocorreram revoluções profundas como a nossa.

Casualmente, um pouco antes de voltar a este salão, um companheiro nos trouxe um folheto em que aparece, na capa ou ao final, um pequeno diálogo que mantivemos com Sartre, e que o companheiro Lisandro Otero publicou com o título "Conversaciones en la Laguna", em Revolución, terça-feira 8 de Março de 1960. Uma questão similar foi-nos colocada, em outra ocasião, por Wright Mills, o escritor norte-americano.

Devo confessar que, em certo sentido, essas questões nos pegaram um pouco desprevenidos. Nós não tivemos os nossos "Colóquios de Ien-An" com os artistas e escritores cubanos, durante a Revolução. Na verdade, esta é uma revolução que foi gestada e chegou ao poder em um tempo – pode-se dizer – recorde. Ao contrário de outras revoluções, não tinha todos os problemas resolvidos. E uma das características da Revolução tem sido, por isso, a necessidade de enfrentar muitos problemas de forma apressada.

E nós somos como a Revolução, isto é, nós tivemos de improvisar bastante. Por isso, não se pode dizer que esta Revolução teve nem a etapa de gestação que outras revoluciones tiveram, nem os dirigentes da Revolução tiveram a maturidade intelectual dos dirigentes de outras revoluções.

Nós acreditamos que contribuímos, na medida das nossas forças, para os acontecimentos actuais do nosso país. Nós acreditamos que, com o esforço de todos, estamos levando adiante uma verdadeira revolução, e que essa revolução se desenvolve e parece destinada a se converter em um dos acontecimentos importantes deste século. Entretanto, apesar dessa realidade, nós, que tivemos uma participação importante nesses acontecimentos, não nos consideramos teóricos das revoluções, nem intelectuais das revoluções.

Se os homens são julgados pelas suas obras, talvez nós tivéssemos direito a considerar como nosso o mérito da obra que a Revolução em si mesma significa, e sem embargo não pensamos assim. E creio que todos deveríamos ter uma atitude similar. Quaisquer que tenham sido as nossas obras, por meritórias que possam parecer, devemos começar situando-nos nessa posição honrada de não presumir que sabemos mais que os outros, de não presumir que atingimos tudo o que se pode aprender, de não presumir que os nossos pontos de vista são infalíveis, e que todos os que não pensam exactamente igual estão equivocados. Isto é, nós devemos situar-nos nessa posição honrada, não de falsa modéstia, mas de verdadeira avaliação do que nós sabemos. Porque, se nos colocarmos nessa posição, creio que será mais fácil marchar acertadamente para adiante. E creio que, se todos nos situarmos nesse ponto – vocês e nós –, então, ante essa realidade, desaparecerão atitudes pessoais e desaparecerá uma certa dose de personalismo que colocamos na análise desses problemas.

Na realidade, o que sabemos nós? Na realidade, nós todos estamos aprendendo. Na realidade, nós todos temos muito a aprender.

E nós não viemos aqui, por exemplo, a ensinar. Nós também viemos aprender.

Havia certos medos no ambiente, e alguns companheiros expressaram esses temores. Na verdade, às vezes tínhamos a impressão de estar sonhando um pouco, tínhamos a impressão de não estar com os pés bem sobre a terra. Porque, se alguma preocupação nos embarga agora, se algum temor, é com respeito à própria Revolução. A grande preocupação que todos nós devemos ter é com a Revolução em si mesma. Ou será que nós pensamos que já vencemos todas as batalhas revolucionárias? Será que nós pensamos que a Revolução não tem inimigos? Será que nós pensamos que a Revolução não corre perigos?

Qual deve ser hoje a primeira preocupação de todo cidadão? A preocupação de que a Revolução vá ultrapassar as suas medidas, de que a Revolução vá asfixiar a arte, de que a Revolução vá asfixiar o génio criador dos nossos cidadãos? Ou a preocupação de todos deve ser com a própria Revolução? Os perigos reais ou imaginários que possam ameaçar o espírito criador, ou os perigos que possam ameaçar a própria Revolução?

Não se trata de que nós tratemos de invocar esse perigo como um simples argumento. O que nós indicamos ao estado de ânimo de todos os cidadãos do país e ao estado de ânimo de todos os escritores e artistas revolucionários, ou de todos os escritores e artistas que compreendem e justificam a Revolução, é quais perigos podem ameaçar a Revolução, e o que podemos fazer para ajudar a Revolução.

Nós acreditamos que a Revolução ainda tem muitas batalhas por travar, e nós acreditamos que o nosso primeiro pensamento e a nossa primeira preocupação deve ser o que fazer para que a Revolução saia vitoriosa. Porque o primeiro é isso: o primeiro é a própria Revolução. E depois, então, preocupar-nos pelas outras questões.

Isso não quer dizer que não devamos nos preocupar com as outras questões, mas que o nosso estado de ânimo – pelo menos, esse é o nosso – é preocupar-nos primeiro fundamentalmente pela Revolução.

O problema que se discutiu aqui – e que vamos abordar – é o problema da liberdade dos escritores e dos artistas para se expressarem. O temor que inquietou aqui é se a Revolução vai reprimir essa liberdade, é se a Revolução vai sufocar o espírito criador dos escritores e artistas.

Falou-se aqui da liberdade formal. Todo mundo concordou em relação ao problema da liberdade formal. Ou seja, todo mundo concordou – e creio que ninguém discorda – acerca do problema da liberdade formal.

A questão se torna mais subtil e se converte verdadeiramente no ponto essencial da questão, quando se trata da liberdade de conteúdo. Eis aqui o ponto mais subtil, porque é o que está exposto às mais diversas interpretações. É o ponto mais polémico dessa questão: deve ou não haver uma liberdade absoluta de conteúdo na expressão artística?

Parece-nos que alguns companheiros defendem esse ponto de vista. Talvez por temor a isso que chamavam de proibições, regulações, limitações, regras, autoridades para decidir sobre a questão.

Permitam-me dizer-lhes, em primeiro lugar, que a Revolução defende a liberdade, que a Revolução trouxe ao país uma soma muito grande de liberdades, que a Revolução não pode ser, por essência, inimiga das liberdades; que, se a preocupação de alguém é que a Revolução vá asfixiar o seu espírito criador, que essa preocupação é desnecessária, que essa preocupação não tem razão de ser.

Onde pode estar a razão de ser dessa preocupação? Pode preocupar-se verdadeiramente com esse problema quem não estiver seguro das suas convicções revolucionárias. Pode preocupar-se com esse problema quem não tiver confiança na sua própria arte, quem não tiver confiança na sua verdadeira capacidade para criar.

E cabe perguntar se um revolucionário verdadeiro, se um artista ou intelectual que sinta a Revolução e que esteja seguro de que é capaz de servir à Revolução, pode colocar-se esse problema. Ou seja, que o campo da dúvida já não é para os escritores e artistas verdadeiramente revolucionários; o campo da dúvida é para os escritores e artistas que, não sendo contrarrevolucionários, também não se sentem revolucionários [Aplausos].

E é correcto que um escritor e artista que não se sinta verdadeiramente revolucionário se coloque esse problema, isto é, que um escritor e artista honesto – honesto –, que seja capaz de compreender toda a razão de ser e a justiça da Revolução, se coloque esse problema. Porque o revolucionário põe algo acima de todas as outras questões, o revolucionário põe algo acima também do seu próprio espírito criador, ou seja, põe a Revolução acima de tudo mais. E o artista mais revolucionário seria aquele que estivesse disposto a sacrificar até a sua própria vocação artística pela Revolução [Aplausos].

Ninguém nunca supôs que todos os homens, ou todos os escritores, ou todos os artistas tenham de ser revolucionários, como ninguém pode supor que todos os homens ou todos os revolucionários tenham de ser artistas, e tampouco que todo homem honesto, pelo facto de ser honesto, tenha de ser revolucionário. Ser revolucionário é também uma atitude ante a vida, ser revolucionário é também uma atitude ante a realidade existente. E há homens que se resignam a essa realidade, há homens que se adaptam a essa realidade. E há homens que não podem resignar-se, nem adaptar-se a essa realidade, e tratam de mudá-la: por isso, são revolucionários.

Mas pode haver homens que se adaptam a essa realidade e são homens honestos, só que o seu espírito não é um espírito revolucionário, só que a sua atitude ante a realidade não é uma atitude revolucionária. E pode haver, é claro, artistas – e bons artistas – que não têm uma atitude revolucionária ante a vida.

E é precisamente para esse grupo de artistas e intelectuais para os quais a Revolução em si constitui um facto imprevisto, um facto novo, um facto que, inclusive, pode afectar o seu ânimo profundamente. É precisamente para esse grupo de artistas e intelectuais que a Revolução pode constitui um problema que ele se coloca.

Para um artista ou intelectual mercenário, para um artista ou intelectual desonesto, não seria nunca um problema. Esse sabe o que tem de fazer, esse sabe o que lhe interessa, esse sabe para onde tem de ir. O problema se constitui em verdade para o artista ou o intelectual que não tem uma atitude revolucionária ante a vida e que, sem embargo, é uma pessoa honesta.

Claro está que quem tem essa atitude ante a vida, seja ou não seja revolucionário, seja ou não seja artista, tem os seus fins, tem os seus objectivos. E todos nós podemos perguntar-nos sobre esses fins e esses objectivos. Esses fins e esses objectivos se dirigem à mudança dessa realidade, esses fins e esses objectivos se dirigem à redenção do homem? É precisamente o homem, o semelhante, a redenção do seu semelhante, o que constitui o objectivo dos revolucionários.

Se, aos revolucionários, nos perguntam o que é que mais nos importa, nós diremos: o povo. E sempre diremos: o povo. O povo no seu sentido real, quer dizer, essa maioria do povo que teve de viver na exploração e no esquecimento mais cruel. A nossa preocupação fundamental sempre serão as grandes maiorias do povo, isto é, as classes oprimidas e exploradas do povo. O prisma através do qual nós olhamos tudo é esse: para nós, será bom o que for bom para eles; para nós, será nobre, será belo e será útil tudo que seja nobre, seja útil e seja belo para eles.

Se não se pensa assim, se não se pensa pelo povo e para o povo, ou seja, se não se pensa e não se actua para essa grande massa explorada do povo, para essa grande massa a que se deseja redimir, então simplesmente não se tem uma atitude revolucionária. Pelo menos, essa é a lente através da qual nós analisamos o bom e o útil e o belo de cada acção.

Compreendemos que deve ser uma tragédia para alguém compreender isto e, ainda assim, ter de reconhecer-se incapaz de lutar por isso. Nós somos ou cremos ser homens revolucionários; quem é mais artista que revolucionário não pode pensar exactamente igual a nós. Nós lutamos pelo povo e não sofremos nenhum conflito, porque lutamos pelo povo e sabemos que podemos alcançar os propósitos de nossas lutas.

O povo é a meta principal. É preciso pensar no povo antes que em nós mesmos. E essa é a única atitude que se pode definir como uma atitude verdadeiramente revolucionária.

E é para os que não podem ter ou não têm essa atitude, mas são pessoas honradas, que se constitui o problema a que fazíamos referência. E, do mesmo modo que a Revolução constitui um problema para eles, eles também constituem um problema para a Revolução, e com o qual a Revolução deve se preocupar.

Aqui se mostrou correctamente o caso de muitos escritores e artistas que não eram revolucionários, mas que, sem embargo, eram escritores e artistas honestos; que, ademais, queriam ajudar a Revolução; cuja ajuda, ademais, interessava à Revolução; que queriam trabalhar para a Revolução e que, por sua vez, a Revolução tem interesse em que eles somem os seus conhecimentos e o seu esforço em benefício dela. É mais fácil apreciar isto, quando se analisam os casos particulares. E, entre esses casos particulares, há inúmeros casos que não são tão fáceis de analisar.

Mas aqui falou um escritor católico, colocou o que o preocupava, e o disse com toda a clareza. Ele perguntou se podia fazer uma interpretação, desde o seu ponto de vista idealista, de um problema determinado, ou se ele podia escrever uma obra defendendo esses pontos de vista. Com toda a franqueza, ele indagou se podia, dentro de um regime revolucionário, expressar-se dentro desses sentimentos, de acordo com esses sentimentos. Colocou o problema de uma forma que pode ser considerada simbólica. O que o preocupava era saber se podia escrever de acordo com esses sentimentos, ou de acordo com essa ideologia, que não era precisamente a ideologia da Revolução; que ele estava de acordo com a Revolução nas questões económicas ou sociais, mas que tinha uma posição filosófica diferente da filosofia da Revolução.

E esse é um caso digno de se levar muito em conta, porque é precisamente um caso representativo desse grupo de escritores e de artistas que tinham uma disposição favorável em relação à Revolução e que desejavam saber que grau de liberdade tinham, dentro das condições revolucionárias, para expressar-se de acordo com esses sentimentos.

Esse é o sector que constitui o problema para a Revolução, da mesma maneira que a Revolução constitui um problema para eles. E é dever da Revolução preocupar-se com esses casos, é dever da Revolução preocupar-se com a situação desses artistas e desses escritores. Porque a Revolução deve ter a aspiração de que marchem junto com ela não só todos os revolucionários, não só todos os artistas e intelectuais revolucionários. É possível que os homens e as mulheres que tenham uma atitude realmente revolucionária ante a realidade não constituam o sector maioritário da população: os revolucionários são a vanguarda do povo. Mas os revolucionários devem aspirar a que todo o povo marche junto com eles. A Revolução não pode renunciar a que todos os homens e mulheres honestos, sejam ou não escritores ou artistas, marchem junto com ela. A Revolução deve aspirar a que qualquer um que tenha dúvidas se converta em revolucionário. A Revolução deve tratar de ganhar para as suas ideias a maior parte do povo. A Revolução nunca deve renunciar a contar com a maioria do povo, a contar não só com os revolucionários, senão com todos os cidadãos honestos, que, ainda que não sejam revolucionários – ou seja, que não tenham uma atitude revolucionária ante a vida –, estejam com ela. A Revolução só deve renunciar àqueles que forem incorrigivelmente reaccionários, que forem incorrigivelmente contrarrevolucionários.

E a Revolução tem de ter uma política para essa parte do povo, a Revolução tem de ter uma atitude para essa parte dos intelectuais e dos escritores. A Revolução tem de compreender essa realidade, e portanto deve actuar de maneira a que todo esse sector dos artistas e dos intelectuais que não são genuinamente revolucionários encontre que, dentro da Revolução há um campo para trabalhar e para criar; e que o seu espírito criador, mesmo que não sejam escritores ou artistas revolucionários, tem oportunidade e tem liberdade para expressar-se. Ou seja, dentro da Revolução.

Isto significa que, dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nada. Contra a Revolução, nada, porque a Revolução tem também os seus direitos. E o primeiro direito da Revolução é o direito de existir. E, frente ao direito da Revolução de ser e de existir, ninguém – porque a Revolução compreende os interesses do povo, porque a Revolução significa os interesses da nação inteira –, ninguém pode alegar com razão um direito contra ela. Creio que isto está bem claro.

Quais são os direitos dos escritores e dos artistas, revolucionários ou não revolucionários? Dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nenhum direito [Aplausos].

E isto não seria nenhuma lei de excepção para os artistas e para os escritores. Isto é um princípio geral, para todos os cidadãos, é um princípio fundamental da Revolução. Os contrarrevolucionários, isto é, os inimigos da Revolução não têm nenhum direito contra a Revolução, porque a Revolução tem um direito: o direito de existir, o direito de se desenvolver e o direito de vencer. Quem poderia pôr em dúvida esse direito de um povo que disse "Pátria ou Morte!", isto é, a Revolução ou a morte, a existência da Revolução ou nada; de uma Revolução que disse "Venceremos!"? Isto é, que se colocou muito seriamente um propósito, e, por respeitáveis que sejam os argumentos pessoais de um inimigo da Revolução, muito mais respeitáveis são os direitos e as razões de uma revolução, e mais, porque uma revolução é um processo histórico, porque uma revolução não é, nem pode ser, obra do capricho ou da vontade de um homem, porque uma revolução só pode ser obra da necessidade e da vontade de um povo. E, frente aos direitos de todo um povo, os direitos dos inimigos desse povo não contam.

Quando nos referimos aos casos extremos, nós o fizemos simplesmente para expressar com mais clareza as nossas ideias. Já disse que, entre esses casos extremos, há uma grande variedade de atitudes mentais, e há também uma grande variedade de preocupações. Não significa necessariamente que abrigar alguma preocupação signifique não ser revolucionário. Nós tratamos de definir as atitudes essenciais.

A Revolução não pode pretender asfixiar a arte ou a cultura, quando uma das metas e um dos propósitos fundamentais da Revolução é desenvolver a arte e a cultura, precisamente para que a arte e a cultura cheguem a ser um verdadeiro património do povo. E, do mesmo modo que nós quisemos uma vida melhor para o povo na esfera material, queremos uma vida melhor para o povo também na esfera espiritual, queremos uma vida melhor para o povo na esfera cultural. E, do mesmo modo que a Revolução se preocupa com o desenvolvimento das condições e das forças que permitam ao povo a satisfação de todas as suas necessidades materiais, nós queremos desenvolver também as condições que permitam ao povo a satisfação de todas as suas necessidades culturais.

Que o povo tem um baixo nível de cultura? Que uma alta percentagem do povo não sabe ler nem escrever? Também uma percentagem alta do povo passa fome, ou pelo menos vive ou vivia em condições duras, vivia em condições de miséria. Uma parte do povo carece de um grande número de bens materiais que são indispensáveis para eles, e nós tratamos de propiciar as condições para que todos esses bens materiais cheguem ao povo. Da mesma maneira, devemos propiciar as condições para que todos esses bens culturais cheguem ao povo.

Isso não quer dizer que o artista tenha de sacrificar o valor das suas criações e que tenha necessariamente de sacrificar essa qualidade. Não quer dizer isso! Quer dizer que temos de lutar em todos os sentidos para que o criador produza para o povo, e que, por outro lado, o povo eleve o seu nível cultural, que lhe permita aproximar-se também aos criadores.

No se pode estabelecer uma regra de carácter geral: todas as manifestações artísticas não são exactamente da mesma natureza; e às vezes colocamos aqui as coisas, como se todas as manifestações artísticas fossem exactamente da mesma natureza. Há expressões do espírito criador que, pela sua própria natureza, podem ser muito mais acessíveis ao povo que outras. Por isso, não se pode estabelecer uma regra geral. Porque, em qual expressão artística, o artista tem de ir ao povo, e em qual, o povo tem de ir ao artista? Pode-se fazer uma afirmação de carácter geral nesse sentido? Não! Seria uma regra simples demais.

É necessário esforçar-se, em todas as manifestações, por chegar ao povo, mas ao mesmo tempo é necessário fazer tudo o que estiver ao alcance das nossas mãos para que o povo possa compreender cada vez mais e melhor. Creio que esse princípio não contradiz as aspirações de nenhum artista, muito menos quando se tem em conta que os homens criam para os seus contemporâneos. Não se diga que há artistas pensando na posteridade, porque – claro que sem o propósito de considerar nosso juízo infalível, nem nada assim – creio que, se alguém pensa assim, está se autossugestionando [Aplausos].

E isso não quer dizer que quem trabalha para os seus contemporâneos tem de renunciar à posteridade da sua obra, porque precisamente criando para os seus contemporâneos, independentemente inclusive de que os seus contemporâneos o tenham compreendido ou não, é que as obras adquirem um valor histórico e um valor universal.

Nós não estamos fazendo uma Revolução para as gerações vindouras; nós estamos fazendo uma Revolução com esta geração e por esta geração, independentemente de que os benefícios desta obra alcancem as gerações vindouras e se convertam em um acontecimento histórico. Nós não estamos fazendo uma revolução para a posteridade; esta Revolução passará à posteridade porque é uma revolução para agora, e para os homens e as mulheres de agora [Aplausos].

Quem nos seguiria, se estivéssemos fazendo uma revolução para as gerações vindouras? Trabalhamos e criamos para nossos contemporâneos, sem que isto tire de nenhuma criação artística o mérito de aspirar à eternidade.

Estas são verdades que todos devemos analisar com honradez, e creio que é preciso partir de certas verdades fundamentais, para não tirar conclusões erróneas. E não vemos que haja motivos de preocupação para nenhum artista ou escritor honrado.

Nós não somos inimigos da liberdade. Ninguém aqui é inimigo da liberdade. A quem tememos? Que autoridade é essa que tememos que vá asfixiar nosso espírito criador? Que companheiros do Conselho Nacional de Cultura?

Pela impressão que nós pessoalmente tivemos das conversações com os companheiros do Conselho Nacional de Cultura, observamos pontos de vista e sentimentos que estão muito distantes das preocupações que aqui se expressaram sobre limitações, freios e coisas assim, ao espírito criador. Nossa conclusão é que os companheiros do Conselho Nacional estão tão preocupados como todos vocês de que se consigam as melhores condições para que esse espírito criador dos artistas e dos intelectuais se desenvolva.

Sentimos temor da existência de um organismo nacional – que é um dever da Revolução e do Governo Revolucionário contar com um órgão altamente qualificado –, que estimule, fomente, desenvolva e oriente, sim, oriente esse espírito criador? Nós o consideramos um dever! E isso, por acaso, pode constituir um atentado ao direito dos escritores e dos artistas? Isso pode constituir uma ameaça ao direito dos escritores e dos artistas, pelo temor de que se cometa uma arbitrariedade ou um abuso de autoridade? Da mesma maneira, podemos abrigar o temor de que, ao passar por um semáforo, o policial nos agrida. Da mesma maneira, podemos abrigar o temor de que o juiz nos condene. Da mesma maneira, podemos abrigar o temor de que a força existente no poder revolucionário cometa um acto de violência contra nós. Ou seja, teríamos então de nos preocuparmos com todas essas coisas. E, sem embargo, a atitude do cidadão não é a de pensar que o miliciano vá disparar contra ele, de que o juiz vá sancioná-lo, ou de que o poder vá exercer violência contra a sua pessoa.

A existência de uma autoridade na esfera cultural não significa que haja uma razão para se preocupar com um abuso dessa autoridade, porque quem é que quer ou deseja que essa autoridade cultural não exista? Pelo mesmo caminho, poderia aspirar a que não existisse a milícia, que não existisse a polícia, que não existisse o poder do Estado e que, inclusive, não existisse o Estado. E, se alguém se preocupa tanto em que não exista a menor autoridade estatal, então que não se preocupe, que tenha paciência, que logo chegará o dia em que o Estado também não existirá [Aplausos].

Tem de haver um Conselho que oriente, que estimule, que desenvolva, que trabalhe para criar as melhores condições para o trabalho dos artistas e dos intelectuais. E quem é o primeiro defensor dos interesses dos artistas e dos intelectuais, se não esse mesmo Conselho? Quem é que propõe leis e sugere medidas de todo tipo, para elevar essas condições, se não o Conselho Nacional de Cultura? Quem propõe uma lei de imprensa nacional, para suprir essas deficiências que foram apontadas aqui? Quem propõe a criação do Instituto de Etnologia e Folclore, se não precisamente o Conselho Nacional? Quem defende que se utilizem as verbas e as divisas necessárias para trazer livros, que há muitos meses não entram ao país, para adquirir material para que os pintores e os artistas plásticos possam trabalhar? Quem se preocupa com os problemas económicos, ou seja, com as condições materiais dos artistas? Que organismo se preocupa com toda uma série de necessidades actuais dos escritores e dos artistas? Quem defende, no seio do governo, as verbas, as edificações e os projectos, justamente para elevar o nível das condições e das circunstâncias em que vocês vão trabalhar? É exactamente o Conselho Nacional de Cultura.

Por que olhar esse conselho com reserva? Por que ver essa autoridade como uma suposta autoridade que vai justamente fazer o contrário, limitar as nossas condições, asfixiar o nosso espírito criador? Teria sentido que se preocupassem com essa autoridade aqueles que não tivessem nenhum problema, mas, de facto, os que podem apreciar a necessidade de toda a gestão e todo o trabalho que esse Conselho tem de fazer não o olhariam jamais com reserva, e, mais, porque o Conselho tem também uma obrigação com o povo e uma obrigação com a Revolução e com o Governo Revolucionário, que é cumprir os objectivos para os quais foi criado, e tem tanto interesse no êxito do seu trabalho, como cada artista tem interesse no êxito do seu próprio.

Não sei se esqueci alguns dos problemas fundamentais que foram assinalados aqui. Discutiu-se muito o problema do filme. Eu não vi o filme; tenho vontade de ver o filme [Risos]; tenho curiosidade por ver o filme. O filme foi maltratado? Na verdade, creio que nenhum filme recebeu tantas honras, e nenhum filme foi tão discutido [Risos].

Embora nós não tenhamos visto o filme, baseamo-nos no critério de vários companheiros que viram o filme, entre eles, o companheiro Presidente, o critério de diversos companheiros do Conselho Nacional de Cultura. Nem é preciso dizer dizer que é um critério e é uma opinião que merece todo o nosso respeito, mas há algo que creio que não se pode discutir, e é o direito estabelecido em lei a exercer a função que, neste caso, desempenhou o Instituto do Cinema ou a comissão revisora. Discute-se, por acaso, esse direito do governo? O governo tem ou não tem direito a exercer essa função? Para nós, neste caso, a função fundamental é, primeiro, se existia ou não existia esse direito do governo. Pode-se discutir a questão do procedimento, como foi feito, se não foi amigável, se poderia ter sido melhor, um procedimento de tipo amistoso. Pode-se até discutir se foi justa ou não foi justa a decisão. Mas há algo que não creio que alguém discuta, e é o direito do governo a exercer essa função. Porque, se impugnamos esse direito, então significa que o governo não teria direito a revisar as películas que serão exibidas ao povo. E penso que esse é um direito que não se discute.

Há também algo que todos compreendemos perfeitamente: que, entre as manifestações de tipo intelectual ou artístico, há algumas que têm importância em relação à educação do povo ou à formação ideológica do povo, superior a outros tipos de manifestações artísticas, e não creio que alguém ouse discutir que um desses meios fundamentais e importantíssimos é o cinema, como também a televisão.

E, realmente, poderia ser discutido, em meio à Revolução, o direito que o governo tem de regulamentar, revisar e fiscalizar os filmes que se exibam ao povo? Por acaso, é isso o que se está discutindo? E pode-se considerar como uma limitação, ou uma fórmula proibitiva, o direito do Governo Revolucionário de fiscalizar esses meios de divulgação que tanta influência têm sobre o povo? Se nós impugnássemos esse direito do Governo Revolucionário, estaríamos incorrendo em um problema de princípios, porque negar essa faculdade ao Governo Revolucionário seria negar-lhe a sua função e a sua responsabilidade, sobretudo em meio a uma luta revolucionária, de dirigir o povo e dirigir a Revolução.

E algumas vezes pareceu que se impugnava esse direito do governo. E, de facto, se querem impugnar esse direito do governo, nós opinamos que o governo tem esse direito. E, se tem esse direito, pode usá-lo; e pode ser que o faça de forma equivocada. Porque isso não quer dizer que o governo seja infalível. O governo, actuando em exercício de um direito ou de uma função que lhe corresponda, não tem de ser necessariamente infalível.

Mas quem é que tem tantas reservas com respeito ao governo? Quem é que tem tantas dúvidas? Quem é que tem tanta suspeita com respeito ao Governo Revolucionário, e quem é que tanto desconfia do Governo Revolucionário, que, mesmo achando que uma decisão sua estava equivocada, pense que constitui um perigo e que constitui um verdadeiro motivo de terror, ou pense que o governo possa equivocar-se sempre? Não estou afirmando, nem nada assim, que o governo tenha se equivocado nessa decisão. O que estou afirmando é que o governo actuava no uso de um direito. Trato de situar-me no lugar dos que trabalharam nesse filme, trato de situar-me no ânimo dos que fizeram o filme, e trato de compreender inclusive a sua pena, o seu desgosto, a sua dor de que o filme não fosse exibido.

Qualquer um pode compreender isso perfeitamente. Mas é preciso compreender que se agiu no uso de um direito, e que foi um critério que contou com o respaldo de companheiros competentes e companheiros responsáveis do governo, e que em realidade não há direito fundado para desconfiar do espírito de justiça e de equidade dos homens do Governo Revolucionário, porque o Governo Revolucionário não deu razões para que alguém possa pôr em dúvida o seu espírito de justiça e de equidade.

Não podemos pensar que somos perfeitos. Inclusive, não podemos pensar que somos imunes a paixões. Alguns poderiam afirmar que determinados companheiros do governo são apaixonados, ou que não são imunes a paixões. Mas os que acreditam nisso podem em verdade garantir que eles mesmos são imunes a paixões? E podem-se impugnar atitudes de tipo pessoal de alguns companheiros, sem nem mesmo considerar que essas opiniões podem estar matizadas também por atitudes de tipo pessoal? Aqui poderíamos dizer aquilo de que quem se acha perfeito, ou se considera imune às paixões, que atire a primeira pedra.

Creio que houve personalismo e paixão na discussão. Nestas discussões, não tem havido personalismo e paixão? Ou será que todos aqui vieram absolutamente despojados de paixões e personalismos? Será que todos viemos absolutamente despojados também de espírito de grupo? Será que não houve correntes e tendências dentro desta discussão? Isso não se pode negar. Se uma criança de seis anos estivesse sentada aqui, teria percebido também as distintas correntes, e os distintos pontos de vista, e as distintas paixões que estavam debatendo.

Os companheiros disseram muitas coisas, disseram coisas interessantes. Alguns disseram coisas brilhantes. Todos foram muito eruditos [Risos]. Mas, acima de tudo, houve uma realidade: a realidade da própria discussão, e a liberdade com que todos puderam expressar-se e defender os seus pontos de vista; a liberdade com que todos puderam falar e expor aqui os seus critérios, no seio de uma reunião ampla – e que ficou mais ampla a cada dia –, de uma reunião que nós consideramos uma reunião positiva, de uma reunião onde pudemos dissipar toda uma série de dúvidas e preocupações.

Que houve querelas? Sem dúvida [Risos]. E que houve guerras e guerrinhas aqui, no seio dos escritores e artistas? Sem dúvida [Risos]. E que houve críticas e supercríticas? Sem dúvida. E que alguns companheiros testaram as suas armas e provaram as suas armas à custa de outros companheiros? Sem dúvida.

Aqui falaram os "feridos" e expressaram a sua queixa sentida contra o que consideram ataques injustos. Felizmente, não se manifestaram os falecidos, só os feridos [Risos]. Inclusive companheiros ainda convalescentes dos ferimentos recebidos [Risos]. E alguns deles apresentavam, como uma evidente injustiça, terem sido atacados com canhões de grosso calibre, sem poder nem responder ao fogo.

Que houve críticas duras? Sem dúvida. E, em certo sentido, colocou-se aqui esse problema. E nós não podemos pretender resolver esses problemas com duas palavras. Mas creio que, das coisas que se colocaram aqui, uma das mais correctas é que o espírito da crítica devia ser construtivo, devia ser positivo, e não destrutivo. Isso, até os que não sabemos absolutamente nada de crítica, entendemos. Por alguma razão, a palavra crítica tornou-se sinónimo de ataque, quando realmente não quer dizer isso, não tem de querer dizer isso. Mas, quando dizem a alguém: “Fulano te criticou”, a pessoa já fica brava, antes mesmo de perguntar o que disseram [Risos]. Ou seja, que o atinge. Ou seja, que deve haver um princípio na crítica: que seja construtiva.

Na verdade, se explicam a algum de nós – que temos ficado um pouco alheios a esses problemas, ou a essas lutas, a esses testes e provas de armas –, o caso de alguns companheiros que quase estiveram à beira de uma depressão incurável, é possível que simpatizemos com as vítimas, porque temos essa tendência a simpatizar com as vítimas.

Nós aqui, sinceramente, só quisemos contribuir para a compreensão e a união de todos. E tratamos de evitar palavras que servem para ferir ou desalentar alguém. Mas um facto é inquestionável: que podem ocorrer casos dessas lutas ou controvérsias em que não exista igualdade de condições entre todos.

Isso, de parte da Revolução, não seria justo. A Revolução não pode dar armas a uns contra outros, a Revolução não deve dar armas a uns contra outros. Nós acreditamos que os escritores e artistas devem todos ter oportunidade de se manifestar. Nós acreditamos que os escritores e artistas, através da sua associação, devem ter um magazine cultural amplo, a que todos tenham acesso.

Não lhes parece que isso seria uma coisa justa?

A Revolução pode pôr esses recursos, não em mãos de um grupo: a Revolução pode e deve pôr esses recursos de maneira que possam ser amplamente utilizados por todos os escritores e artistas.

Vocês logo vão constituir a Associação de Artistas, vão participar de um congresso. Não sei se discutirão ou não as questões colocadas pelo companheiro Walterio sobre Arango e Parreño e sobre Saco [Risos]; mas sabemos que vão se reunir. E uma das coisas que nós propomos é que a Associação de Artistas, aonde devem ir todos com espírito verdadeiramente construtivo... Porque, se alguém pensa que querem eliminá-lo, porque se alguém pensa que querem asfixiá-lo, nós podemos garantir que está absolutamente errado. Por isso, deve-se celebrar este congresso com espírito verdadeiramente construtivo, e pode-se celebrar. E acreditamos que vocês são capazes de celebrar o congresso com esse espírito. Que se organize uma forte associação de artistas e de escritores – e já era hora –, e que vocês, de forma organizada, contribuam com todo o seu entusiasmo nas tarefas que lhes correspondem na Revolução. E que seja um organismo amplo, de todos os artistas e escritores.

Cremos que essa seria uma fórmula, para quando voltemos a nos reunir – e cremos que devemos voltar a nos reunir [Aplausos]. Pelo menos, não devemos privar-nos voluntariamente do prazer e da utilidade destas reuniões, que para nós constituíram também um motivo de atenção sobre todos esses problemas. Temos de reunir-nos de novo. O que significa isso? Que temos de continuar discutindo estes problemas. Quer dizer, que vai haver algo, que deve ser motivo de tranquilidade para todos, que é saber o interesse que o governo tem pelos problemas e, ao mesmo tempo, esta oportunidade de discutir em uma assembleia ampla todas essas questões.

Parece-nos que isso deve ser motivo de satisfação para os escritores e os artistas. E, com isso, nós também continuaremos buscando informação e adquirindo mais conhecimentos, de nossa parte.

O Conselho Nacional deve ter também outro órgão de divulgação. Creio que isso vai colocando as coisas no seu lugar. E isso não pode ser chamado de cultura dirigida, nem asfixia ao espírito criador artístico. Será que alguém que tenha os cinco sentidos e, além disso, seja artista de verdade, pode achar que isto constitui asfixia ao espírito criador? A Revolução quer que os artistas ponham o máximo esforço a favor do povo, quer que ponham o máximo interesse e esforço na obra revolucionária. E pensamos que essa é uma aspiração justa da Revolução.

Quer dizer que vamos dizer aqui às pessoas o que devem escrever? Não. Que cada um escreva o que quiser. E, se o que escreve não serve, problema dele; se o que pinta não serve, problema dele. Nós não proibimos ninguém de escrever sobre o tema que quiser. Pelo contrário: que cada um se expresse da forma que ache pertinente, e que expresse livremente o tema que deseja expressar. Nós apreciaremos a sua criação, sempre através do prisma e da lente revolucionária: esse também é um direito do Governo Revolucionário, tão respeitável como o direito de cada um expressar o que quiser expressar.

Há uma série de medidas que estão sendo tomadas, algumas das quais nós indicamos.

Para os que se preocupavam com o problema da imprensa nacional: de facto, a imprensa nacional, organismo recém-criado, que teve de surgir em condições de trabalho difíceis, porque teve de começar a trabalhar em um periódico que de repente fechou – e nós estávamos presentes no dia em que esse periódico se converteu na primeira oficina da imprensa nacional, com todos os seus operários e redactores –, e que também teve de publicar uma série de obras de tipo militar, sabemos que tem deficiências e que serão supridas, e para isso já se apresentou uma lei ao governo, para criar diversas editorias dentro da imprensa nacional, de maneira que não haja por que repetir as queixas que foram expostas nesta reunião sobre a imprensa nacional.

E também estão sendo tomadas, ou serão tomadas, as providências pertinentes, para a aquisição de livros, aquisição de material para o trabalho; ou seja, resolver todos esses problemas que preocuparam os escritores e os artistas, e em que o Conselho Nacional de Cultura tem insistido muito. Porque vocês sabem que, no Estado, há diversos departamentos e diversas instituições, e que, dentro do Estado, cada um reclama e aspira a poder contar com os recursos necessários para cumprir perfeitamente as suas funções.

Nós queremos assinalar alguns aspectos em que já se avançou, e que devem ser motivo de ânimo para todos nós, como foi, por exemplo, o sucesso alcançado com a orquestra sinfónica, que foi reformada, reintegrada totalmente, e que atingiu níveis elevados não só no aspecto artístico, como no aspecto revolucionário, porque há 50 membros da orquestra sinfónica que são milicianos. O Ballet de Cuba também foi reformado e acaba de fazer uma turnê no exterior, onde granjeou a admiração e o reconhecimento de todos, nos lugares onde se apresentou. Também está tendo êxito, o conjunto de dança moderna, que recebeu elogios valiosíssimos na Europa. A Biblioteca Nacional, pelo seu lado, também está desenvolvendo uma política a favor da cultura, a favor dessas coisas que preocupavam a vocês, de despertar o interesse do povo pela música, pela pintura. Constituiu um departamento de pintura, com o objectivo de dar a conhecer as obras ao povo; um departamento de música; um departamento juvenil, uma secção também para crianças. Um pouco antes de passar a este salão, estivemos visitando o departamento infantil da Biblioteca Nacional, vimos o número de crianças que já estão associadas, o trabalho que está sendo desenvolvido ali e os avanços que a biblioteca nacional fez, e que também são um motivo para que o governo lhe passe os recursos que necessita para seguir realizando essa tarefa. A imprensa nacional já é uma realidade e, com as novas formas de organização que serão implantadas, também já é uma conquista da Revolução, que contribuirá extraordinariamente à preparação do povo.

O Instituto do Cinema é também uma realidade. Durante toda esta primeira etapa, foram feitos, fundamentalmente, os investimentos necessários para dotá-lo dos equipamentos materiais que necessita para trabalhar. Pelo menos, a Revolução estabeleceu as bases da indústria do cinema, o que constitui um grande esforço, tendo em conta que o nosso não é um país industrializado, que a aquisição de todos esses equipamentos significa sacrifícios. E que, ademais, se não há mais facilidades para o cinema, isso não responde a uma política restritiva do governo, mas simplesmente à escassez dos recursos económicos actuais para criar um movimento de diletantes que permita o desenvolvimento de todos os talentos no cinema, e que será posto em prática, quando se puder contar com esses recursos. A política no Instituto do Cinema será de discussão e também de emulação entre as diversas equipes de trabalho.

Não se pode ainda avaliar propriamente a tarefa do Instituto do Cinema. Ainda não houve tempo para realizar uma obra que possa ser julgada, mas já se trabalhou, e nós sabemos que uma serie de documentários feitos pelo Instituto do Cinema contribuíram grandemente para divulgar a obra da Revolução no exterior.

Mas o que interessa destacar é que as bases para a indústria do cinema já estão estabelecidas. Realizaram-se também actividades de publicidade, conferências, de extensão cultural, através dos diversos organismos. Mas enfim isto não é nada, comparado com o que se pode fazer e com o que a Revolução aspira desenvolver.

Há ainda, por resolver, uma série de questões que interessam aos escritores e artistas. Há problemas de ordem material, isto é, há problemas de ordem económica. Não são as condições de antes. Hoje não existe aquele pequeno sector privilegiado que adquiria as obras dos artistas, aliás, a preços miseráveis, já que mais de um artista acabou na indigência e no esquecimento. Ficam por encarar e resolver, esses problemas, que o Governo Revolucionário deve resolver, e que devem ser preocupação do Conselho Nacional de Cultura, assim como o problema dos artistas que existem que já não produzem e que estão completamente desamparados. Garantir ao artista não só as condições materiais adequadas, mas a garantia de que não têm de se preocupar com quando já não possam trabalhar.

Em certo sentido, a reorganização dos direitos de autores feita no Instituto já teve, como consequência, que uma série de autores que estavam sendo miseravelmente explorados e cujos direitos eram burlados contem hoje com receitas que permitiram que muitos deles saíssem da situação de pobreza extrema em que se encontravam.

São passos que a Revolução já deu, mas que significam apenas alguns passos, que devem preceder outros passos, para criar as melhores condições.

Há também a ideia de organizar um lugar de descanso e de trabalho para os artistas e escritores.

Em certa ocasião, quando andávamos um pouco peregrinando por todo o território nacional, ocorreu-nos a ideia de construir um bairro, em um lugar muito bonito da Ilha de Pinos, uma aldeia em meio aos pinhais – naquele tempo, estávamos pensando em estabelecer algum tipo de prémio para os melhores escritores e artistas progressistas do mundo –, como um prémio e sobretudo como uma homenagem a esses escritores e artistas; projecto que não ganhou corpo, mas que pode ser revivido, para fazer um bairro ou uma aldeia, um remanso de paz que convide a descansar, que convide a escrever [Aplausos]. Eu acho que vale muito a pena que os artistas, entre eles os arquitectos, comecem a desenhar e a conceber o lugar de descanso ideal para um escritor ou um artista, e ver se nisso concordam [Risos].

O Governo Revolucionário está disposto a fazer a sua parte, pondo recursos em alguma partezinha do orçamento, agora que tudo está sendo planificado. E será, a planificação, uma limitação ao nosso espírito criador de revolucionários? Porque, em certo sentido, não se esqueçam que nós, revolucionários meio livres, nos vemos agora ante a realidade da planificação. E isso também nos coloca um problema, porque até agora fomos espíritos criadores de iniciativas revolucionárias e de investimentos também revolucionários, que agora é preciso planificar. Não pensem vocês que estamos isentos dos problemas, e, do nosso ponto de vista, também poderíamos protestar contra isso.

Ou seja, logo se saberá o que se vai fazer no ano que vem, no outro ano, no outro ano. Quem vai discutir que é preciso planificar a economia? Mas, se, dentro dessa planificação, dá para construir um lugar de descanso para os escritores e artistas, seria realmente uma satisfação que a Revolução pudesse ter essa realização entre as obras que está fazendo. Nós estamos aqui preocupados com a situação actual dos escritores e artistas e nos esquecemos um pouco das perspectivas do futuro. E nós, que não temos por que nos queixar de vocês, sem embargo também dedicamos alguns momentos para pensar nos artistas e escritores do futuro, e pensamos como será, quando voltem a se reunir – como devem voltar a se reunir – homens do governo, no futuro, dentro de cinco, dentro de dez anos – não quer dizer que seremos nós necessariamente –, com os escritores e os artistas, quando a cultura tenha adquirido o extraordinário desenvolvimento que aspiramos alcançar, com os escritores e os artistas do futuro, quando saiam os primeiros frutos do plano de academias e de escolas que há actualmente.

Muito antes de que estas questões fossem colocadas, o Governo Revolucionário já estava se preocupando com a extensão da cultura ao povo.

Nós sempre fomos muito optimistas. Creio que, sem ser optimista, não se pode ser revolucionário, porque as dificuldades que uma Revolução tem de vencer são muito sérias. É preciso ser optimista! Um pessimista nunca poderia ser revolucionário.

Havia diferentes organismos do Estado próprios da primeira etapa da Revolução. A Revolução já teve as suas etapas. A Revolução teve uma etapa em que uma série de iniciativas emanavam de uma série de organismos. Até o INRA estava realizando actividades de extensão cultural. Chegamos inclusive a chocar com o Teatro Nacional, porque eles estavam fazendo um trabalho, e nós, de repente, estávamos fazendo outro pela nossa conta. Tudo isso já está se enquadrando dentro de uma organização.

E assim, nos nossos planos em relação aos camponeses das cooperativas e granjas, surgiu a ideia de levar a cultura ao campo, às granjas e às cooperativas. Como? Pois, trazendo camponeses para convertê-los em instrutores de música, de dança, de teatro. Os optimistas só podemos lançar iniciativas desse tipo.

Pois… como despertar no camponês o interesse pelo teatro, por exemplo? Onde encontrar os instrutores? Onde buscá-los para enviar, por exemplo, a 300 granjas do povo e a 600 cooperativas? Porque tenho certeza de que todos vocês concordam que, se conseguirmos, será positivo, e sobretudo para começar a descobrir os talentos no povo e converter o povo também em autor e em criador, porque, na verdade, o povo é o grande criador.

Não devemos nos esquecer disso, e não devemos esquecer tampouco os milhares e milhares de talentos que terão se perdido, em nossos campos e em nossas cidades, por falta de condições e de oportunidades para desenvolver-se, que são como aqueles génios ocultos, os génios adormecidos, que estavam esperando a mão de seda – não quero eu ser muito erudito aqui –, que viesse despertá-los, formá-los.

Nos nossos campos... disso estamos todos seguros, a menos que nós presumamos que somos os mais inteligentes que nascemos neste país, e quero logo dizer que não presumo tal coisa. Muitas vezes, dei como exemplo o facto de que, no lugar onde eu nasci, entre uns mil meninos, fui o único que pôde estudar um curso universitário, mal estudado, aliás, e sem me livrar de passar por uma série de colégios de padres etc. etc. [Risos].

Eu não quero lançar aqui um anátema contra ninguém, nem nada disso. Mas digo que tenho o mesmo direito que alguém teve de dizer – alguém que veio aqui e disse também o que queria dizer –, de queixar-se: "Eu tenho o direito de me queixar."

Alguém falou que foi formado pela sociedade burguesa. Eu posso dizer que fui formado por algo pior ainda: fui formado pelo pior da reacção, e onde uma boa parte dos anos da minha vida se perderam no obscurantismo, na superstição e na mentira, naquela época em que não te ensinavam a pensar, e sim te obrigavam a acreditar.

Creio que, quando se procura truncar a capacidade de pensar e raciocinar de um homem, convertem-no, de um ser humano, em um animal domesticado [Aplausos]. Não me rebelo contra os sentimentos religiosos do homem. Respeitamos esses sentimentos, respeitamos o direito do homem à liberdade de crença e de culto. Isso não quer dizer que hajam respeitado o meu. Eu não tive nenhuma liberdade de crença nem de culto, senão que me impuseram uma crença e um culto, e estiveram me domesticando durante 12 anos [Risos].

Naturalmente que tenho de pensar com um pouco de queixa nos anos que eu poderia ter aproveitado, nessa época em que há nos jovens a maior dose de interesse e de curiosidade pelas coisas, ter aproveitado todos esses anos para o estudo sistemático e que me permitisse adquirir essa cultura que hoje as crianças de Cuba vão ter oportunidade de adquirir amplamente.

Ou seja que, apesar de tudo isso, o único que pôde, entre mil, obter um diploma universitário, teve de passar por esse moinho de pedra, em que só por milagre não o trituraram mentalmente para sempre. De modo que o único entre mil teve de passar por tudo isso. Por quê? Ah, porque era o único entre mil no campo a quem podiam pagar o colégio particular, para que estudasse.

Então, por causa disso, eu vou pensar que eu era o mais apto e o mais inteligente, entre os mil? Eu creio que somos um produto de selecção, mas mais social que natural. Socialmente, fui seleccionado para ir à universidade, e socialmente estou aqui falando agora, por um processo de selecção social, não natural.

A selecção social deixou na ignorância, quem sabe, a quantas dezenas de milhares de jovens superiores a todos nós; essa é uma verdade. E quem se considere artista tem de pensar que por aí podem ter ficado sem ser artistas muitos melhores que ele – espero que Guillén não fique bravo pelo que estou dizendo [Risos]. Se não admitimos isso, estamos sonhando. Nós somos uns privilegiados em meio a tudo isso, porque não nascemos filhos do carroceiro. E não é só por isso que somos privilegiados.

Mas, enfim, o que ia dizer – e depois eu digo em que outra coisa somos privilegiados – é que isso demonstra a quantidade enorme de inteligências que se perderam, simplesmente por falta de oportunidade. Vamos levar a oportunidade a todas essas inteligências, vamos criar as condições que permitam que todo talento artístico, ou literário, ou científico, ou de qualquer tipo possa se desenvolver.

E pensem no que significa que a Revolução permita isso, e desde já, agora mesmo, no próximo ano, com todo o povo alfabetizado, com escolas em todos os lugares de Cuba, com campanhas de acompanhamento e com a formação dos instrutores que permitam aprender e descobrir todas as qualidades. E isto é só o começo. Porque todos esses instrutores no campo saberão qual criança tem vocação e indicarão qual criança deve receber uma bolsa para ir para a Academia Nacional de Arte; mas, ao mesmo tempo, vão despertar o gosto artístico e o interesse cultural nos adultos.

Alguns ensaios feitos demonstram a capacidade do camponês e do homem do povo para assimilar as questões artísticas, assimilar a cultura e imediatamente começar a produzir. Há companheiros que estiveram em algumas cooperativas, que já conseguiram que os cooperativistas tenham o seu grupo de teatro. E também ficou demonstrado recentemente, com as representações de diferentes lugares da República e os trabalhos artísticos realizados pelos homens e mulheres do povo. Pois imaginem o que significará, quando tivermos um instrutor de teatro, um instrutor de música e um instrutor de dança, em cada cooperativa e em cada granja do povo.

Em apenas dois anos, poderemos enviar mil instrutores – mais de mil –, para teatro, para dança e para música.

As escolas foram organizadas, já estão funcionando, e imaginem quando houver mil grupos de dança, de música e de teatro em toda a Ilha, no campo – não estamos falando da cidade, na cidade é um pouquinho mais fácil –, o que isso significará em extensão cultural.

Porque alguns falaram aqui que é necessário elevar o nível do povo. Mas como? O Governo Revolucionário já se ocupou disso, e o Governo Revolucionário está criando essas condições para que, dentro de alguns anos, a cultura, o nível de preparação cultural do povo tenha se elevado extraordinariamente.

Escolhemos esses três ramos, mas pode-se continuar escolhendo e pode-se continuar trabalhando, para desenvolver a cultura em todos os aspectos.

Essa escola já está funcionando, e os companheiros que trabalham na escola estão satisfeitos com o avanço desse grupo de futuros instrutores. Mas, também, já começamos a construir a Academia Nacional de Arte, além da Academia Nacional de Artes Manuais. Aliás, Cuba vai poder contar com a mais linda academia de arte do mundo inteiro. Por quê? Porque essa academia estará situada no bairro residencial mais lindo do mundo, onde vivia a burguesia mais luxuosa do mundo. Ali, no melhor bairro da burguesia mais ostentosa e mais luxuosa e mais inculta – diga-se de passagem [Risos e aplausos], porque em nenhuma dessas casas falta um bar, mas não se preocupavam – salvo excepções – com o resto dos problemas culturais; viviam de uma maneira incrivelmente fabulosa. E vale a pena dar uma volta por ali, para ver como essa gente vivia, sem saber que extraordinária academia de arte estavam construindo! [Risos]

E isso é o que ficará do que fizeram, porque os alunos vão viver nas casas que eram residências dos milionários. Não vão viver enclausurados, vão viver como em um lar, e então assistirão às aulas na academia. A academia vai estar situada no meio do Country Club, onde um grupo de arquitectos-artistas desenharam uma obra – estão por aí? retiro o que disse [Risos] –, desenharam as construções que serão feitas. Já começaram, têm o compromisso de terminar para o mês de Dezembro. Já temos 300 mil pés de mogno e de madeiras preciosas para os móveis. Está no meio do campo de golfe, em uma natureza que é um sonho, e aí vai estar localizada a Academia Nacional de Arte, com 60 residências nos arredores, com o círculo social ao lado, que, pela sua vez, tem refeitórios, salões, piscina e também uma zona para visitantes, onde poderão ser alojados os professores estrangeiros que venham nos ajudar, e com capacidade para até três mil crianças, ou seja, três mil bolsistas, e com a aspiração de que comece a funcionar no próximo ano. E imediatamente também começará a funcionar a Academia Nacional de Artes Manuais, com outras tantas residências, em outro campo de golfe e com outra construção similar. Quer dizer, serão as academias de tipo nacional – não significa que sejam as únicas escolas, nada disso –, onde serão bolsistas aqueles jovens que demonstrem maior capacidade, sem que custe absolutamente nada às suas famílias, e terão as condições ideais para se desenvolver.

Todo mundo gostaria agora de ser um jovem, para ingressar em uma dessas academias. É ou não é? [Exclamações de: "Verdade!"]

Falou-se aqui de pintores que tomavam um café com leite, que passavam 15 dias a café com leite. Vejam que condições tão diferentes! E então nos dirão se o espírito criador encontrará ou não as melhores condições para se desenvolver: instrução, moradia, alimentação, cultura geral, porque irão para lá desde os oito anos e receberão, junto com a preparação artística, uma cultura geral.

E vamos querer ou não que esses jovens ali se desenvolvam plenamente, em todos os aspectos?

Essas são, mais que ideias ou sonhos, realidades já da Revolução: os instrutores que estão sendo preparados, as escolas nacionais que estão sendo preparadas, mais as escolas para amadores, que também serão criadas.

Por isso, a Revolução é importante. Porque como poderíamos fazer isto sem revolução? Vamos supor que tenhamos o temor de que murche o nosso espírito criador, "amassado pelas mãos despóticas da revolução stalinista" [Risos].

Senhores, não vale a pena pensar no futuro? Que nossas flores murchem, quando estamos semeando flores por toda parte, quando estamos forjando esses espíritos criadores do futuro? E quem não mudaria o presente – quem não mudaria inclusive o seu próprio presente – por esse futuro? [Aplausos] Quem não sacrificaria o seu, por esse futuro, e quem, com sensibilidade artística, não está disposto, como o combatente que morre em uma batalha, sabendo que morre, que deixa de existir fisicamente, para adubar com o seu sangue o caminho do triunfo dos seus semelhantes, do seu povo?

Pensem no combatente que morre lutando: sacrifica tudo o que tem, sacrifica a sua vida, sacrifica a sua família, sacrifica a sua esposa, sacrifica os seus filhos. Para quê? Para que possamos fazer todas essas coisas. E quem, com sensibilidade humana, sensibilidade artística, não pensa que, para conseguir isso, vale a pena fazer os sacrifícios que forem necessários?

Mas a Revolução não pede sacrifícios de génios criadores. Pelo contrário, a Revolução diz: ponham esse espírito criador a serviço desta obra, sem temor de que a sua obra saia truncada. Mas, se algum dia você pensar que a sua obra pode sair truncada, diga: vale bem a pena que a minha obra fique truncada, para fazer uma obra como esta que temos em frente [Aplausos prolongados].

Ao contrário: pedimos ao artista que desenvolva ao máximo o seu esforço criador. Queremos criar essas condições para o artista e o intelectual. Porque, se estamos querendo criá-las para o futuro, como não vamos querer as mesmas para os actuais artistas e intelectuais?

Estamos pedindo que as desenvolvam a favor precisamente da cultura, e a favor da arte, em função da Revolução, porque a Revolução significa precisamente mais cultura e mais arte. Pedimos que ponham o seu tijolinho nesta obra, que, afinal, será uma obra desta geração.

A próxima geração será melhor que nós, mas nós seremos os que tornamos possível essa geração melhor. Nós seremos forjadores dessa geração futura. Nós, esta geração... sem idades, não é questão de idades. Para que vamos entrar a discutir esse problema tão delicado? [Risos]

É que cabemos todos. Porque esta é obra de todos nós: tanto dos "barbudos", como dos imberbes; dos que têm cabeleira abundante, ou dos que não têm nenhuma, ou a têm branca. Esta é a obra de todos nós.

Vamos realizar uma guerra contra a incultura; vamos travar uma batalha contra a incultura; vamos despertar uma irreconciliável querela contra a incultura, e vamos lutar contra ela, e vamos testar as nossas armas.

Há alguém que não quer colaborar? E que castigo será maior para ele, que o de privar-se da satisfação do que se está fazendo hoje?

Nós falamos que éramos privilegiados. Ah!, porque tínhamos podido aprender a ler e a escrever, ir a uma escola, a um colégio, ir a uma universidade, ou, pelo menos, adquirir os rudimentos de instrução suficientes para poder fazer algo. E não podemos nos considerar privilegiados por estar vivendo em meio a uma revolução? Será que, por acaso, não nos dedicávamos com extraordinário interesse a ler acerca das revoluções? E quem não leu com verdadeira sede as narrativas da Revolução Francesa, ou da história da Revolução Russa? E quem não sonhou alguma vez em ter sido testemunha presencial daquelas revoluções?

Comigo, por exemplo, acontecia uma coisa. Quando lia a Guerra da Independência, eu sentia não ter nascido naquela época, e ficava triste de não ter sido um lutador pela independência e não ter vivido aquela história. Porque todos nós lemos as crónicas da guerra e da luta pela independência com verdadeira paixão. E invejávamos os intelectuais, e os artistas, e os guerreiros, e os lutadores, e os governantes daquela época.

Sem embargo coube-nos o privilégio de viver e ser testemunhas presenciais de uma autêntica revolução, de uma revolução cuja força já é uma força que se desenvolve fora das fronteiras do nosso país, cuja influência política e moral está fazendo estremecer e balançar o imperialismo neste continente [Aplausos]. E assim a Revolução Cubana se converte no acontecimento mais importante deste século para a América Latina, no acontecimento mais importante, depois das guerras da independência que ocorreram no século XIX: verdadeira nova era de redenção do homem.

Porque, o que foram aquelas guerras de independência, senão a substituição do domínio colonial pelo domínio das classes dominantes e exploradoras, em todos esses países? E nos coube viver um acontecimento histórico. Pode-se dizer que o segundo maior acontecimento histórico ocorrido nos últimos três séculos na América Latina, do qual os cubanos somos actores. E que, quanto mais trabalharmos, mais a Revolução será como um chama perene, e mais, estará incumbida de desempenhar um papel histórico transcendental.

E vocês, escritores e artistas, têm o privilégio de serem testemunhas presenciais dessa revolução. Quando uma revolução é um acontecimento tão importante na história humana, quanto vale a pena viver essa revolução! Ainda que seja só para ser suas testemunhas. Esse também é um privilegio, que os que não são capazes de compreender essas coisas, os que se deixam inibir, os que se deixam confundir, os que se deixam enganar pela mentira, esses renunciam a ela.

O que dizer dos que renunciaram a ela, o que pensar, senão com pena, daqueles que abandonam este país em plena efervescência revolucionária, para ir a submergir nas entranhas do monstro imperialista, onde nenhuma expressão do espírito pode ter vida?

E abandonaram a Revolução para ir para lá. Preferiram ser fugitivos e desertores da sua pátria, a ser ainda que apenas espectadores.

E vocês têm a oportunidade de ser mais que espectadores: de ser actores dessa revolução, de escrever sobre ela, de expressar-se sobre ela.

E as gerações vindouras, o que pedirão a vocês? Poderão realizar magníficas obras artísticas, do ponto de vista técnico. Mas, se disserem a um homem da geração vindoura – ou seja, um homem dentro de 100 anos –, se lhe disserem que um escritor, que um intelectual desta época viveu na Revolução indiferente a ela, e não expressou a Revolução, e não foi parte da Revolução, será difícil que o compreenda, quando, nos anos vindouros, haverá tantos e tantos querendo pintar a Revolução, e querendo escrever sobre a Revolução, e querendo expressar-se sobre a Revolução, recolhendo dados e informações para saber o que aconteceu, como foi, como viviam.

Há pouco dias, tivemos a experiência de encontrar-nos com uma anciã de 106 anos que havia acabado de aprender a ler e escrever, e nós lhe propusemos que escrevesse um livro. Havia sido escrava, e nós queríamos saber como um escravo viu o mundo, quando era escravo, quais foram as suas primeiras impressões da vida, dos seus amos, dos seus companheiros.

Creio que pode escrever uma coisa muito interessante, que nenhum de nós poderia escrever. E é possível que, em um ano, se alfabetize e ademais escreva um livro, aos 106 anos – essas são as coisas das revoluções! – e se torne escritora, e tenhamos de trazê-la aqui na próxima reunião [Risos e aplausos]. E que então Walterio tenha de admiti-la como um dos valores da nacionalidade do século XIX [Risos e aplausos].

Quem pode escrever, melhor que ela, o que viveu o escravo? E quem pode escrever, melhor que vocês, o presente? E quanta gente começará a escrever no futuro, sem viver isto, à distância, recolhendo escritos.

E não nos apressemos em julgar a nossa obra, que teremos juízes de sobra. E o que devemos temer não é esse suposto juiz autoritário, verdugo da cultura, imaginário, que elaboramos aqui. Temam outros juízes, muito mais temíveis. Temam os juízes da posteridade, temam as gerações futuras, que serão, no final, as encarregadas de dizer a última palavra! [Ovação]

DEPARTAMENTO DE VERSIONES TAQUIGRAFICAS